
1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro “José Sócrates-Ascensão (1957-2005)”?
R-Escrevi com muita intensidade, e de forma muita crítica, sobre José Sócrates nos anos em que ele foi primeiro-ministro, e sempre me pareceu que o país e as suas instituições não reagiram como deviam a um político cujo comportamento ético era pura e simplesmente inadmissível. Nunca achei que fosse preciso esperar pela Operação Marquês para vislumbrar o carácter de Sócrates e suas falhas morais. A ideia deste livro parte desta constatação: quis demonstrar, com base em fontes abertas (ou seja, naquilo que foi publicado e estava à disposição de todos), que não foi apenas Sócrates que nos enganou – o país também se deixou enganar. Havia muita coisa à vista. E muita gente preferiu fechar os olhos.
2-Conhecendo bem a história, que qualidades consegue identificar em José Sócrates que lhe permitiram a sinuosa caminhada para o poder e os posteriores desvios que redundaram na Operação Marquês?
R-José Sócrates tinha, de facto, grandes qualidade políticas, e boa parte da sua ascensão é mérito seu. Ele não andou simplesmente a comprar toda a gente que se atravessou no seu caminho. Tinha coragem para lutar por temas que eram incómodos mas que tinham de ser resolvidos – um dos seus maiores méritos é a aprovação da chamada Lei das Drogas no governo de Guterres, de que falo detalhadamente no livro. E tinha, sobretudo, um gosto pela acção que ficava nos antípodas das hesitações guterristas – ele conseguia mesmo fazer com que as coisas acontecessem. Se se tivesse mantido do lado certo da política, poderia ter sido um dos melhores primeiros-ministros da nossa democracia. Infelizmente, aconteceu-lhe o mesmo que a Anakin Skywalker: deixou-se seduzir pelo lado negro da Força.
3-O percurso de José Sócrates é um bom exemplo da impunidade que parece acompanhar o exercício do poder e os conflitos de interesse no Portugal do século XXI?
-R-Sim, diria que é mesmo o melhor exemplo dessa impunidade. José Sócrates teve, entre 2005 e 2011, o poder que nenhum outro primeiro-ministro alcançou até hoje, tendo em conta a influência que detinha nas estruturas do Estado, na comunicação social, nas grandes empresas, nos bancos e até na justiça. E mesmo após a sua detenção no final de 2014, o país está há 11 anos a tentar que ele chegue a um julgamento cujo ritmo, até ao momento, está a ser totalmente controlado por José Sócrates e pela manha processual da sua equipa. É como se o país continuasse impreparado para lidar com a força e com a energia do animal feroz – o que é um grande mérito seu, sem dúvida, e um grande demérito nosso.
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João Miguel Tavares
José Sócrates-Ascensão (1957-2005)
Publicações D. Quixote 25,50€
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